20 de junho de 2012

francesca, thelma, louise, pippa lee e nós

Às vezes, questiono-me sobre como é possível que alguma mulher não seja feminista. Na verdade, muitas mulheres (e homens) são feministas sem nem mesmo saber. Porque, ao contrário do que muitos supõem, para ser feminista não é preciso subir num palanque, fazer discursos públicos, ou se filiar a algum partido político. Para ser feminista, como equivocadamente alguns imaginam, também não é preciso odiar os homens, rejeitar a maternidade, dedicar-se única e exclusivamente à vida profissional, ou se “masculinizar”, endurecer e perder a ternura. Uma pessoa é feminista quando questiona as práticas, desejos e fluxos dados como naturais para o « ser mulher » no mundo. Uma pessoa é feminista quando resiste e subverte a lógica androcêntrica, e isso se faz também nas pequenas reinvindicações, resistências e lutas cotidianas.
Acho que por entender o feminismo desta forma, tenho tanta simpatia por esses três filmes, e suas heroínas, nos quais vejo a sensibilidade feminista como ponto de intersecção: As Pontes de Madison, Thelma & Louise, e Privates Lives of Pippa Lee. Esses três filmes mostram a angústia de mulheres que se descobrem vivendo numa zona de domesticação, e não de segurança e conforto como a cultura patriarcal securlamente nos fez acreditar. Esses filmes são feministas quando as personagens questionam as suas vidas e o lugar que ocupam no mundo enquanto sujeitos desejantes. As personagens, cada uma em sua trama e ao seu modo, são feministas em suas lutas individuais, que são também coletivas, em busca de autonomia, de liberdade, de respeito, da (re)descoberta do desejo e da feminilidade. Em busca de uma auto-reconciliação e de « permitir-se ». Francesca, Thelma, Louise e Pippa Lee vivem, como também nós vivemos em nossa experiência diária, o que a teoria feminista tenta nos fazer perceber: que o feminino é uma categoria política.

The Bridges of Madison, 1995

Thelma & Louise, 1991

The privates lives of Pippa Lee, 2009




16 de junho de 2012

quando a máquina diz não


Quando a máquina diz não, ele diz sim. Gosto de ouvir o Tom Zé falar quase tanto quanto gosto de ouvi-lo cantar. E numa dessas vezes que o ouvia falar, escutei aquilo que resume o que venho refletindo sobre a máquina, aparelho ou dispositivo: “a máquina é um sensor estético do sistema, se você faz algo diferente, ela não aceita. A máquina só sabe dizer não”. Sensor estético, diz ele, referindo-se à música - e então, já não estamos dialogando com Foucault, Agamben e Flusser?!
Tom Zé disse essa frase ao relembrar da gravação de uma música em que ele buscava misturar, de modo fora do previsto pela máquina gravadora de som, uma série de violas com outros instrumentos, tudo em “quartas paralelas”, o que tornava a música totalmente dissonante, segundo o compositor. Por isso, a máquina “recusava-se” a aceitar a música. O tal sensor estético do sistema dizia para Tom Zé que aquilo não podia ser gravado como estava a ser tocado pelos instrumentistas, porque não foi previsto pela máquina que tamanha liberdade e experimentalismo pudessem ser desejados e alcançados. O que a máquina quer é que adaptemos a nossa inventividade ao seu jogo programado? Ora, a máquina disse não. E Tom Zé andou dois anos às voltas com ela, até que a programou para dizer sim. 


Toc - Estudando o Samba, 1976 | Tom Zé



4 de junho de 2012

formulário de identificação




Eu sou o filho da fulana com um tal.
Eu tenho um nome e vários nicknames.

Eu sou uma interrogação,
um número fiscal, um bilhete de identidade, 
um passaporte, uma foto no cartão.

Eu tenho um profile,
um endereço provisório,
e uma profissão.

***

Sou vegetariano,
mas do peru de natal não abro mão!
Cerveja é sem álcool.
Álcool... só vinho, porque faz bem ao coração.
Leite é sem lactose.
Doce é sem açúcar.

Pele não visto, não.
Roupa, só mesmo de algodão.
Minha moda muda a cada estação.

***

Meu estilo de vida é a minha melhor definição.
Eu pago caro pelo que sou.
Visa, Mastercard, vai tudo para o cartão.

Eu defendo os operários,
mas ainda bem que para o trabalho os chineses têm tanta disposição.
Pagaria mais caro pelos meus gadgets se vindos de outras mãos!

***

Corro.
Durmo cedo.
Trabalho muito.
Danço, danço, 
danço muito na vida!

Um café para despertar e 1/4 de Lexotan para desligar.
Se não fosse a minha meia hora semanal de meditação,
desculpe Chico, mas nem com o cigarro segurava esse rojão.

***

Não acredito em Deus,
mas quando tudo está fodido... 
Oh, my Lord!
Segura a minha mão.

Ai meu São Nietzsche!
Sem chão e sem estrelas?!
Não está fácil, não.

Ai meu Santo Bauman!
A vida escorre pelas mãos,
pero es muy dura.
Ai de mim, amigo, la vida es muy dura!