22 de maio de 2013

eu rio

Foto: Porto, 2010 | Aline Soares

eu chovo
eu rio

desanuvio

e o tempo não volta atrás
e nem eu
e nem o rio






19 de maio de 2013

acertar o passo



Num desses dias de flanêrie, sentei-me num banco a observar as pessoas e as ruas. Logo um simpático casal de velhinhos atravessou o meu olhar e fisgou-me a atenção. Mais do que os cabelos brancos, eles tinham em comum o andar: ambos pendiam o corpo para o mesmo lado, ao caminhar eles mancavam da mesma perna. Será que isto devia-se ao facto de terem ajustado os passos, enquanto esforçavam-se por andar lado a lado, ao longo da vida?   
Comecei a observar os demais casais que passavam, sobretudo os idosos. Era curioso ver como a maioria deles havia acertado o passo, mesmo se um dos dois tinha as pernas mais compridas, ou andava com passinhos mais curtos ou mais largos, mais leves ou mais pesados. Pareciam estar a ouvir a mesma música. Teriam eles acabado por se recomporem, entre contratempos e novos compassos, para seguir o mesmo andamento?  No fundo, estar com alguém é isto, é (querer) acertar o passo. Sem acertar o passo, um sempre acabará ficando para trás.  

Foto de Tomasz Lazar


Tiê | Só sei dançar com você


18 de maio de 2013

um certo modo de ver

Vista Cansada 
autor: Otto Lara Resende



Acho que foi o Hemingway quem disse que olhava cada coisa à sua volta como se a visse pela última vez. Pela última ou pela primeira vez? Pela primeira vez foi outro escritor quem disse. Essa idéia de olhar pela última vez tem algo de deprimente. Olhar de despedida, de quem não crê que a vida continua, não admira que o Hemingway tenha acabado como acabou.

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.


Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom-dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.


Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser também que ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.


Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de fato, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.


Texto publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, edição de 23 de fevereiro de 1992.



1 de maio de 2013

imaginação & realidade

Os dois brigavam e empurravam-se mutuamente para fora do sofá. Um queria que o sofá, armado em almofadas e coberto por um edredon, fosse uma nave intergaláctica. O outro queria que fosse um submarino. A tia, muito esperta e conciliadora, foi resolver a questão: Ora, não é nem uma coisa e nem a outra... é uma super-nave-submarina-intergalática! Mas na realidade é um sofá, né tia! - disparou um dos pequeninos.